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  • Foto do escritorFutebol em Rede

México-70, a Copa na TV da vizinha assassina


A primeira Copa ninguém esquece. A minha foi a de 1970, no México. Não, não, eu não estava lá. Nem tinha idade para isso e jamais imaginaria que anos depois a minha primeira Copa como repórter seria também no México, mas a de 1986. Em 70, eu tinha 12 anos e meio de idade. Andava de calça curta e não sabia nem o que queria ser na vida. Filho de lavrador, que virou feirante, a gente ia tocando a vida numa família de 7 irmãos. Convivia mais com o Camilo, que é o irmão 20 meses mais novo que eu.



Não tinha TV na minha casa. A gente já morava na Rua Norberto de Toledo, 29, no Bairro dos Alemães, em Piracicaba. Lembro que quando a gente veio do sítio nem asfalto tinha. Quando asfaltaram a rua nos sentimos mais ricos. Achamos o máximo, não ia mais ter lama em dia de chuva, mas tinha a enxurrada pra gente brincar e puxão de orelha da mãe porque não tinha tanta roupa assim pra trocar também. E não tinha também as secadoras de hoje. Dependia do sol nosso de cada dia. Um aparelho de Televisão era um luxo para a maioria das famílias da época.



Quando chegou a Copa a gente não tinha como ver. Foi então que fomos convidados pelo Dito, nosso vizinho, para assistir os jogos na casa dele. Ele tinha uma TV que para nós era mais que um cinema. Uma maravilha. Topamos, é claro, e até meu pai ia lá dar uma espiada. A sala ficava aboletada de vizinhos. Acho que era das poucas casas que tinha TV naquele quarteirão.



Foi assim que assisti e "gravei" todos os jogos do Brasil na Copa. Lembro do gol da Tchecoslováquia abrindo o placar contra o Brasil e a imagem marcante de Petrás fazendo sinal da cruz, mesmo representando um bloco soviético que se dizia ateu. Lembro da virada, dos lançamentos de Gerson, do gol imortal de Pelé aconchegando a bola no peito e fuzilando para a rede contra Viktor.



Lembro de Tostão driblando os ingleses como se fossem desenhos animados e abrindo caminho para a vitória do Brasil contra a então campeã do Mundo. Lembro da violenta entrada de Carlos Alberto em Lee, que batia em todo mundo e acabou apanhando também. Na verdade muitos desses nomes estrangeiros vim a saber mais tarde. Eu queria saber mesmo é dos nossos jogadores.



No jogo contra a Romênia fiquei mais atento porque, em 1968, essa Seleção esteve, em Piracicaba, na inauguração do Estádio Barão de Serra Negra e bateu no XV por 6x2. Alguns nomes ainda estavam comigo. Estive no estádio vendo o amistoso e tinha um atacante chamado Dumitrache. Ele fez gols no XV e depois fez um contra o Brasil na Copa. Eu não tenho bem certeza quem me levou para ver aquele jogo. Se foi meu avô paterno, Carlos Todeschini, que morava bem perto do Estádio, na 13 de maio, ou se foi meu pai mesmo. Muita gente foi e eu fui junto.



Contra o Peru o que mais me marcou foram os nomes diferente dos jogadores adversários. Mifflin, Chumpitaz, Perico Leon, Baylon, Sotil, Chade, Fuentes, Teófio Cubillas. Eu achei nomes bonitos e depois descobri que aqueles nomes "nobres" comandados pelo brasileiro Didi formaram a melhor safra do futebol Inca em todos os tempos. Não à toa nunca mais o Peru e mesmo o futebol tiveram jogadores com esses nomes. Foi uma vez para todo o sempre.




Meu pai dizia e eu não entendia, hoje entendo, que queria ver como Didi se comportaria contra o Brasil. É que ele foi um jogador genial, dos maiores da história e hoje sei que merecia reverência maior por parte de todos os brasileiros. Foi bicampeão do Mundo, o melhor jogador da Copa de 58, e era um brasileiro que podia tirar o Brasil da Copa. Acho que meu pai não teria gostado disso e ficaria bravo. Ele admirava demais Didi, mas estava ressabiado.



Contra o Uruguai sofremos com o gol de Cubilla, mas festejamos demais o empate com Clodoaldo num passe magistral de Tostão, sempre ele. Acabou o primeiro tempo e não sei porque para os garotos que não sofreram a derrota de 50, a virada era certa. E foi. A final contra a Itália era certeza de vitória para nós. E foi uma grande vitória. Pela primeira vez comemorei um título de Copa do Mundo e o Mundo era nosso mesmo na longínqua Piracicaba.



Lembro que quando acabavam os jogos que eram ao meio dia, ou por aí, no nosso horário, a primeira coisa que a garotada fazia era pegar uma bola para jogar uma pelada num campinho do lado de casa, ali na Avenida Saldanha Marinho com a Rua Silva Jardim. O campo era penso, mas a gente já conhecia as manhas. Quando a bola batia no chão já sabia onde ia. Tinha uma trilha que cortava o campo. As pessoas passavam por ali cortando caminho entre uma avenida e outra e quando vinha gente o jogo parava.



O Nê, garoto bom de bola, irmão do Celso, tinha uma bola torta, oval mesmo, aquela que deu errado na confecção, e com certeza mais barata e por isso foi comprada, que ele levava para o jogo. Como era de capotão estava valendo. Nos adaptamos a bola oval e jogávamos do nosso jeito. Os garotos gritavam eu sou Clodoaldo, sou Gerson, sou Pelé, sou Rivellino, sou Tostão. Antes fosse, mas era também o imaginário dos meninos numa homenagem infantil aos grandes jogadores daquele time extraordinário. Que eu saiba nenhum de nós passou perto de um desses gênios, mas prova como o futebol entra na mente das crianças e molda até o seu caráter. Doces lembranças da minha primeira Copa.



Tempos depois o Dito se mudou e levou com ele a Dona Dolores, sua esposa, que tinha mais idade que ele e tinha também um ciúme de matar do marido. E acabou matando mesmo. Um dia abrimos o centenário Jornal de Piracicaba e lá estava a noticia. Dolores matou Dito. A assassina já estava presa. E pensar que era uma pessoa que tratava a molecada com tanto carinho. Os jogos da Copa-70 na casa dela tinham até uns docinhos para as crianças e eu era uma delas. Era uma boa vizinha. Pobre, Dito. Morreu cedo, mas ainda deu tempo de festejar a conquista de 70. Ele com sua Dolores, que no México quer dizer, Dores. Não precisava ser assim, não precisava doer tanto, Dolores.













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