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  • Foto do escritorFutebol em Rede

QUEM DISSE QUE PELÉ MORREU?


Tinha tudo para ser mais um dia como outro qualquer no Céu. Como acontece desde o início dos tempos, muitos lá chegariam vindos do plano inferior e, claro, todos na esperança de serem recebidos. Mas, como sempre se soube, nem todos teriam as portas abertas imediatamente. Só que, naquele fim de manhã de uma quarta-feira, havia um bochicho por lá. “Parece que vai chegar alguém famoso”, diziam.


E chegou. Bastante confuso, um tanto quanto enfraquecido pela doença que o vitimou e sem conseguir esconder um tiquinho de surpresa por não ter tido a recepção à qual sempre esteve acostumado, um velhinho negro falando português logo bateu na porta em que se lia: Administração. E, ainda de fora, ouviu uma voz forte, que lhe disse: “Entre, Édson. Seja bem-vindo”.

Pisando firme e com olhar impetuoso, o oitentão foi direto à mesa em que se sentava um outro velhinho, este de barbas brancas. E, então, deu-se o seguinte diálogo:

_Meu amigo, já que o senhor parece ser o único que me conhece por aqui, pode me explicar o que está acontecendo?

_Posso, claro. Você voltou pra casa. E até que demorou um pouquinho, não acha? Foram mais de 80 anos por lá...

_ Minha casa? Não senhor: eu moro em Santos. Aqui é até bem bacana, tudo limpo, o Sol brilha, a temperatura é amena, tem uns jardins da hora, mas não é a minha casa, não. Aliás, acho que as pessoas que vivem aqui são meio estranhas, porque eu passei por um monte de gente e eles fizeram de conta que nem me conheciam. Acho melhor eu voltar.

_ Não dá, meu amigo. A partir de agora, você vai recomeçar é por aqui, mesmo. E agradeça, cara, porque nem todo mundo tem a mesma sorte. Se eu te mostrar os lugares aos quais muitos são levados, você nem vai acreditar. Então, vai por mim: aqui é muito melhor. Mas se você quiser ficar por aqui, terá primeiro de se recuperar dos males físicos que o trouxeram para cá. E vamos combinar que não foram poucos. Depois, precisará trabalhar e estudar bastante para progredir espiritualmente. Em seguida, quando estiver melhor, poderá ajudar na recepção diária dos novos habitantes e em outras tarefas gerais. Só depois de tudo isso, e se você fizer por merecer ou, então, se aceitar as condições que lhe serão impostas, poderá voltar para aquela que você chama de “sua casa”.

_ Parece que isso vai levar um tempão, senhor.

_ Talvez sim, talvez não. Mas isso pouco importa, pois aqui nós temos todo o tempo do mundo. Além disso, em sua mais recente visita lá embaixo você fez muita gente feliz, e isso conta ponto pra caramba, fique sabendo.

_ Ah, então deve ter brasileiro por aqui...

_ Claro que, sim, milhões deles. E milhões de outras nacionalidades, religiões, cores, classes sociais, posições políticas. Aqui, Édson, vigora a melhor democracia do mundo. Ou melhor: de todos os mundos.

_ Acho que vou sentir saudades das coisas de lá. Meus filhos, meus amigos, meu país... Do futebol, que tantas alegrias e conquistas me deu. Estou com medo de não conseguir. Estou até com vontade de chorar.

_ Não precisa ter medo e nem ficar triste. As pessoas que você amava na Terra continuará a amar no Céu, e aquelas que o amavam lá embaixo o amarão para sempre, pode ter certeza. Olha, para lhe ser bem sincero, a vida aqui não é tão diferente da que você estava acostumado. Aliás, se você quiser bater uma bolinha, tem muitos jogadores por aqui – Puskás, Yashin, Pedro Rocha, Dêner, Garrincha, Cruyff. Ah: tem um tal de Diego que também chegou, e não faz muito tempo. Aliás, já fui informado que ele está enchendo a paciência de todo mundo, porque quer porque quer te recepcionar.

_ E como eu faço para encontrar minha turma, senhor?

_ Calma. Tudo tem seu tempo. Como eu já disse, primeiro você precisa se curar. Depois, na hora certa, você encontrará todas as pessoas que quiser. E se aqui em cima for tão talentoso quanto era lá embaixo, você driblará todo os seus obstáculos facilmente e rapidinho começará a marcar um monte de gols. Só lhe faço um pedido: se for possível, peça para que ninguém mais o chame de Rei. É que eu não posso dar brecha para que alguém comece a pensar que não sou eu quem dá as cartas por aqui, entende?

_ Nossa, agora entendi: o senhor é Deus, né?

_ Muito prazer.

_ Gozado, na Terra tem gente que diz que o senhor está morto.

_ Não estou, não, Édson. E nem você.



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