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  • Foto do escritorFutebol em Rede

O dia em que quase fui preso na Arábia Saudita


A Copa do Qatar está chegando e com ela muita expectativa esportiva e também na convivência com os costumes do país, que embora seja talvez mais aberto em relação a outros da região, ainda traz muito arraigada sua cultura religiosa e de procedimentos. Não é fácil mudar tudo de uma vez só e talvez nunca mude. É uma cultura que pune a bebida alcóolica, o homossexualismo e que ainda coloca a mulher como um ser subserviente e com poucos direitos. Isso sem falar no uso do trabalho escravo para construir os novos estádios para o torneio.



Há um esforço para se tornar um país mais aberto durante a Copa, mas não creio em facilidades, ou jeitinho, para os felizes "arruaceiros" do exterior. Se você for flagrado bêbado na rua ou mexendo com quem não deve, vai sofrer consequências. Assim que a Copa acabar, dia 18 de dezembro, é melhor sair rapidinho porque o país voltará a ser o que sempre foi e falo isso com respeito, pois esse é seu jeito de ser e viver. Há que se respeitar.



A polícia religiosa não é tão atuante no Qatar como em outros países mulçumanos, mas também está sempre de olho. Na Arábia Saudita, por exemplo, age com muito mais rigor. Passei por dificuldades, em 1989, quando lá estive para cobrir um jogo do Brasil. O xeique não queria liberar Sebastião Lazaroni do Al-Ahli para a Seleção Brasileira se não houvesse um amistoso com o seu time. O encontro foi marcado para Jedah, a beira do mar Vermelho.



Eu ainda trabalhava na Rádio Record, foi a minha última viagem internacional naquela emissora. Iria direto para Udine para cobrir a despedida de Zico, na Udinese, mas quando cheguei em Cumbica, descobri que meu voo tinha sido cancelado. Era época da velha e ótima Varig. Como alternativa tinha um voo para Zurique e de lá de trem para a Itália entrando por Chiasso para acabar, em Udine. Topei na hora e peguei um avião totalmente vazio. Dava para se esticar e dormir nas poltronas. Foi a parte boa. Viagem de trem por aquelas montanhas também foi nota 10.



Paulo Soares, o Amigão, devia ir comigo, mas na última hora, a Record pendurada em dívidas, decidiu mandar só o repórter. Depois do jogo, em Udine, a viagem seguiria para Arábia Saudita, com escala em Atenas, onde pegaria um voo da Saudi Airlines. Aí a aventura começou. De Atenas fui parar em Lárnaca, no Chipre, com muito atraso segui para Riad e depois Jedah. Ufa, cheguei. Cheguei nada, fiquei detido no Aeroporto quase o dia inteiro e só fui liberado faltando meia hora para o jogo.



O caso é o seguinte: A pedido do Edson Scatamachia, um dos melhores chefes que eu tive na vida, levei uma fita VHS para alugar uma filmadora, em Udine, e gravar matérias na despedida do Zico para enviar ao Brasil pela Varig. Não havia essa facilidade de transmissão de hoje. Sem problema, fui a Central da TV, expliquei o que precisava e o técnico de plantão sacou uma fita de um arquivo qualquer e me entregou. Só que por pressa ou preguiça não apagou a fita.



Quando desembarquei, em Jedah, minha mala tinha ficado presa, em Riad, a primeira escala no país. É claro que fui procurar saber o que estava ocorrendo. A informação é que a mala extraviara e viria no voo seguinte. Pediram para esperar e não fizeram a alfândega. Acho que o filme ainda não existia, mas me senti como Tom Hanks, em "O Terminal". Estava lá, mas oficialmente não estava. Não podia entrar no país e nem sair. Estava no "limbo alfandegário".



Depois de mais de 12 horas um senhor de cara fechada com uniforme do exército e vários asseclas vieram ter comigo. Queriam saber qual o conteúdo da Fita e porque eu a estava tentando entrar com ela na Arábia Saudita. "Vim para transmitir o jogo do Brasil e gravei algumas entrevistas com jogadores na despedida do Zico, em Udine. Isso é o que está na fita". Mas diziam que havia mais coisas que eram consideradas crimes pelas leis da Arábia. "Como assim? O que tem lá?"



Depois de algum tempo consegui falar com o Luiz Roberto de Múcio, com quem depois retornaria à Roma, que trabalhava na Rádio Globo e já estava no hotel me esperando há muito. Expliquei o que estava acontecendo e que pelo jeito iria demorar. Talvez por sua intervenção apareceu um sujeito robusto me procurando e se dizendo secretário do príncipe árabe que promoveria o jogo do Brasil. Disse que era amigo do Rubens Minelli de quando o técnico trabalhou por lá e falava um bom português. Pediu calma e avisou que iria resolver tudo.



Daí a pouco volta o amigo do Minelli. "Senhor Luís, eles dizem que há crianças quase sem roupa dançando no vídeo e que isso é considerado pornografia infantil aqui na Arábia. Eles já se convenceram que o senhor só veio mesmo para transmitir o jogo, mas o senhor sabe do que se trata?" e eu disse que nada sabia, mas pedi para ver a fita. A fita tinha uma gravação do programa Pintando o 7, programa infantil da TV Record, com várias meninas de saias curtinhas e os meninos de shorts. Acho que nenhum deles tinha mais de 10 anos de idade. Uma coisa inocente na nossa cultura, mas para eles era ofensa.



Através do meu novo amigo árabe expliquei que se tratava de um programa infantil da TV onde eu trabalhava e que o técnico esqueceu de apagar. Pedi desculpas pelo inconveniente e tive uma atitude mais atrevida, que pensando bem hoje, poderia ter me custado caro. Peguei a fita e disse: "Se o problema é esse, não há mais problema" e arrebentei a fita. Joguei tudo no lixo. Eles riram da minha atitude e me dispensaram diretamente para o saguão.



O meu novo amigo árabe me levou direto para o Estádio num carro conversível andando a mil para chegar a tempo. Chegamos e fomos entrando, fui direto para a cabine e minha mala ficou lá no banco de trás do carro. Num primeiro momento imaginei que a mala iria sumir durante o jogo, mas ele me disse candidamente: "Não se preocupe, aqui ninguém vai roubar sua mala. Se roubar a gente corta as mãos do ladrão"



Quando terminou o jogo eu estava no gramado entrevistando o Raí, o meu novo amigo bate no meu ombro e deixa a mala junto aos meus pés e se vai. Quando entro nos vestiários encontro o Eurico Miranda, que era então diretor da CBF, com minha credencial na mão: "Estava esperando para entregar antes do jogo. Como é que você entrou no estádio e fez o jogo sem credencial com essa segurança toda que tem aqui?" Foi aí que percebi que meu novo amigo árabe devia mandar muito mesmo. Ninguém se meteu com a gente. Perguntei depois ao Luiz Roberto se ele conhecia o cara, mas parecia que ninguém o conhecia. Então toda vez que lembro dessa história eu prefiro chamar o meu amigo anônimo de Alá. Acho que isso resume tudo.



EM TEMPO: Após o jogo, o engenheiro do Estádio, amante do futebol brasileiro e principalmente do jeito brasileiro de transmitir futebol, nos deu uma carona até o hotel. Infelizmente não lembro do seu nome, mas quebrou um grande galho. Pegar táxi por lá ia ser difícil também. Ele vibrou a cada gol narrado pelo Luiz Roberto. Adorava o Brasil. É ele quem está nessa foto ofuscada pela noite, ao lado do Luiz, em frente ao estádio. Até hoje agradecemos. Mas para sair da Arábia Saudita também foi um perrengue. Mas isso eu conto no próximo Post. Ah, ainda em TEMPO: O jogo Brasil 3 X 1Ahly foi no dia 29/03/1989.









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