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Fernando, o zagueirão que vendeu camisa para sobreviver

Fernando, o zagueirão que vendeu camisa para sobreviver. Nesta semana morreu um grande amigo, acho que posso considera-lo assim. Fazia muito tempo que não o via e nem falava com ele, mas o guardo com boas recordações no coração. Fernando Paolilo, aos 75 anos de idade, vai embora vítima de Alzheimer. Fez história na Ferroviária na época que tinha que marcar Pelé, entre outros da grande era do futebol brasileiro, e também no XV de Piracicaba, onde foi líder e vice-campeão paulista contra o timaço do Palmeiras de 1976, que já tinha um supercraque de nome Jorge Mendonça desabrochando.



Quando comecei minha carreira, em Piracicaba, na Rádio Alvorada, em 1972, depois de algum tempo comecei a balbuciar algumas palavras nos microfones e acharam até que eu tinha jeito para a coisa. Filho de feirante e comerciante de secos e molhados, lá fui eu. Na verdade queria mesmo era ser Engenheiro Agrônomo, mudei de campo, portanto. Comecei a cobrir o XV de Piracicaba pela Rádio e mais tarde o grande Ludovico Silva se aposentou e me indicou para ser editor de esportes no Jornal de Piracicaba. Geraldo Nunes, editor chefe do jornal, gostou e aí fechou, eram as mídias da época.



Depois de jogar na Ferroviária de 1966 a 1974, Fernando chegou ao Barão de Serra Negra para comandar a zaga do XV ao lado de Elói e formaram uma das melhores duplas que vi jogar. O XV tinha Getúlio no gol, Ivan, que era zagueiro, mas que jogava improvisado disputando posição com China e Ademir na lateral-direita, Depois foi titular da zaga do Vasco, era muito clássico. Almeida pela esquerda, o mesmo Almeida que depois jogou e muito também no Guarani. Tinha Muri e depois Vadinho na frente da zaga. Era difícil entrar. Lembro que o preparador físico Sérgio Scarpari brincava com os dois laterais que eram bem técnicos: "Pode deixar cruzar, bola aérea na nossa área é do Fernandão e do Elói" e era mesmo.



Esse time tinha ainda o ponteiro Capitão, depois titular do Guarani campeão brasileiro de 78, e Nardela, que jogou no Grêmio e se tornou ídolo do Joinvile. Tinha o meia Perrela, muito habilidoso, que dava o toque de bola para a equipe. Era um time forte para os padrões da época e hoje seria também.



E tinha o presidente Romeu Ítalo Ripoli, que foi o primeiro que eu vi pagar por objetivo e não por mês. Ele pagava um salário baixo e um "bicho" alto. Muitas vezes pagava nos vestiários após os jogos. Mas se o time não ia bem, os ganhos minguavam e daí todos sofriam. Quando um jogador se contundia e ficava no estaleiro mais de 15 dias, ele mandava para o INPS da época. XV foi vice-campeão paulista de 76 e oitavo no brasileiro de 1978 com apenas 16 jogadores no elenco e ninguém se contundia. Todos queriam jogar, senão não ganhavam.



Foi numa época de Vaca Magra, o time sem ganhar e o dinheiro diminuindo sem prêmios, que Fernando Paolilo resolveu vender camisas. Eram aquelas que ele trocava com os adversários nos jogos do XV. Então tinha camisa de grandes jogadores dos grandes times e ele começou a fazer leilão. Eu morava na Rua Coronel Joaquim Norberto de Toledo, que é uma ruazinha de um quarteirão só, sequência da Silva Jardim, que é a rua do Estádio Barão de Serra Negra. Fernando era meu vizinho e freguês do armazém do meu pai. Eles se davam bem, de vez em quando aparecia lá em casa para conversar quando voltava do treino a pé. Era tudo pertinho.



Resolvi fazer uma matéria com essa ideia do Fernando. Fiz na Rádio Alvorada e no Jornal de Piracicaba. Deu uma baita repercussão, muita gente querendo camisa de Pelé, Rivelino, Ademir da Guia, Muricy Ramalho, Luiz Pereira, enfim coisas que não eram tão fáceis de encontrar nas lojas como hoje. Acho que deu um bom dinheiro e salvou a pele dele. Fernando era líder e fiquei sabendo que com o dinheiro que arrecadou ajudou os companheiros mais necessitados do XV também. Grande sujeito, por isso respeitado. Quando gritava lá de atrás ninguém respondia mal-educado com ele. Até porque era enérgico, mas respeitador.



Quem não gostou dessa história foi o Ripoli, que começou a ser cobrado pela cidade porque os jogadores estavam passando necessidade. Mas ele respondia calmamente em bom caipirês: "Eles que ganhe o jogo, que eu pago um "bichão gordo". Tinha lá suas razões.



Saudades do amigo Fernando, um cara que teve muita influência na minha maneira de ver futebol e de ver a vida. Um dia Sócrates ainda no Botafogo jogou, em Piracicaba, e depois do jogo indo para casa ambos a pé, ele me diz: "Você viu aquele número 8 deles como joga. O cara fez jogadas pela direita, no centro e pela esquerda. Não deixava ser marcado. Não repetiu uma jogada sequer. É craque". Enxergava pouco ele, ou não? Vai com Deus, amigo. Cumpriu sua missão. E muito bem.

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